Não quero lhe falar, meu grande amor, das coisas que
aprendi nos discos. Por entre fotos e nomes, os olhos cheios de cores, o peito
cheio de amores vãos é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer
a morte.
Quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu
comigo. Atenção, precisa ter olhos pra este sol, para esta escuridão. Tinha cá
pra mim que agora sim eu vivia enfim um grande amor: mentira. Por isso,
cuidado, meu bem, há perigo na esquina. Atenção para as janelas no alto, atenção
ao pisar o asfalto, o mangue, atenção para o sangue sobre o chão.
O sol nas bancas de revista me enche de alegria e
preguiça. Quem lê tanta notícia? Minha dor é perceber que apesar de termos
feito tudo o que fizemos... ainda somos os mesmos. Gente jovem reunida na
parede da memória: divino maravilhoso.
Enquanto todo mundo espera a cura do mal e a loucura
finge que isso é normal, eu finjo ter paciência. Se você vier até onde a gente
chegar, numa praça, na beira do mar, o Rio de Janeiro continua lindo, sem fome,
sem telefone, no coração do Brasil. O sol é tão bonito, eu vou, nada no bolso ou
nas mãos, eu quero seguir vivendo...
Como beber dessa bebida amarga? Quero lançar um grito
desumano, que é uma maneira de ser escutado. Por que não? Você me pergunta pela
minha paixão, digo que estou encantado como uma nova invenção. Eu vou ficar
nesta cidade: cheiro de nova estação.
Já faz tempo, eu vi você na rua: num pedaço de
qualquer lugar. E nesse dia branco não apareceu mais ninguém. Ah, coração
leviano, não sabe o que fez do meu: este pobre navegante enfrentou a tempestade,
foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar.
Se um dia meu coração for consultado, eu quero seguir
vivendo, amor. Amanhã vai ser outro dia, eu pergunto a você onde vai se
esconder da enorme euforia. Esse silêncio todo me atordoa, atordoado eu
permaneço atento. Se você vier, pro que der e vier: na arquibancada, pra qualquer
momento, ver emergir o monstro da lagoa.
Em caras de presidentes, e buzinando a moça e
comandando a massa: meu caminho pelo mundo eu mesmo faço. Todo o povo
brasileiro, aquele abraço. Pra você que me esqueceu, aquele abraço: apesar de
você amanhã há de ser outro dia.
Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar.
Mesmo calado o peito, resta a cuca dos bêbados do centro da cidade. Quando o
grito do prazer açoitar o ar, réveillon, até gerar o som como querer Caetanear:
o que há de bom. Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos,
estamos na luta pra sobreviver.
Um novo tempo. Quiçá, um dia, a fúria desse front.
Talvez o mundo não seja pequeno, nem seja a vida um fato consumado: sempre um
caminho que se deixa herança. O samba não vai morrer, veja, o dia ainda não
raiou. Alô, moça da favela, todo mundo da Portela: quero sua risada mais gostosa,
se você vier, eu lhe prometo o sol.
Nossos ídolos ainda são os mesmos, o novo sempre vem. Eu vou. Por que não? Atenção para o samba exaltação, pro palavrão, para a palavra de ordem: anistia é o caralho.


