26 setembro 2025

Domingo em Copacabana

 

Não quero lhe falar, meu grande amor, das coisas que aprendi nos discos. Por entre fotos e nomes, os olhos cheios de cores, o peito cheio de amores vãos é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte.

Quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo. Atenção, precisa ter olhos pra este sol, para esta escuridão. Tinha cá pra mim que agora sim eu vivia enfim um grande amor: mentira. Por isso, cuidado, meu bem, há perigo na esquina. Atenção para as janelas no alto, atenção ao pisar o asfalto, o mangue, atenção para o sangue sobre o chão.

O sol nas bancas de revista me enche de alegria e preguiça. Quem lê tanta notícia? Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos... ainda somos os mesmos. Gente jovem reunida na parede da memória: divino maravilhoso.

Enquanto todo mundo espera a cura do mal e a loucura finge que isso é normal, eu finjo ter paciência. Se você vier até onde a gente chegar, numa praça, na beira do mar, o Rio de Janeiro continua lindo, sem fome, sem telefone, no coração do Brasil. O sol é tão bonito, eu vou, nada no bolso ou nas mãos, eu quero seguir vivendo...

Como beber dessa bebida amarga? Quero lançar um grito desumano, que é uma maneira de ser escutado. Por que não? Você me pergunta pela minha paixão, digo que estou encantado como uma nova invenção. Eu vou ficar nesta cidade: cheiro de nova estação.

Já faz tempo, eu vi você na rua: num pedaço de qualquer lugar. E nesse dia branco não apareceu mais ninguém. Ah, coração leviano, não sabe o que fez do meu: este pobre navegante enfrentou a tempestade, foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar.

Se um dia meu coração for consultado, eu quero seguir vivendo, amor. Amanhã vai ser outro dia, eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia. Esse silêncio todo me atordoa, atordoado eu permaneço atento. Se você vier, pro que der e vier: na arquibancada, pra qualquer momento, ver emergir o monstro da lagoa.

Em caras de presidentes, e buzinando a moça e comandando a massa: meu caminho pelo mundo eu mesmo faço. Todo o povo brasileiro, aquele abraço. Pra você que me esqueceu, aquele abraço: apesar de você amanhã há de ser outro dia.

Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. Mesmo calado o peito, resta a cuca dos bêbados do centro da cidade. Quando o grito do prazer açoitar o ar, réveillon, até gerar o som como querer Caetanear: o que há de bom. Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos, estamos na luta pra sobreviver.

Um novo tempo. Quiçá, um dia, a fúria desse front. Talvez o mundo não seja pequeno, nem seja a vida um fato consumado: sempre um caminho que se deixa herança. O samba não vai morrer, veja, o dia ainda não raiou. Alô, moça da favela, todo mundo da Portela: quero sua risada mais gostosa, se você vier, eu lhe prometo o sol.

Nossos ídolos ainda são os mesmos, o novo sempre vem. Eu vou. Por que não? Atenção para o samba exaltação, pro palavrão, para a palavra de ordem: anistia é o caralho.


19 setembro 2025

A morte, as datas e a tangerina

 


Há um poema de Ferreira Gullar, O cheiro da tangerina, em que uns versos sempre me inquietaram um pouco: “coisas de bicho / não de plantas / (onde a morte não fede)”. Desde a primeira vez que li, achei assombrosa – e talvez tenha ficado com uma certa inveja – a ideia meio óbvia, meio nova, algo bonita, de que nas plantas a morte não fede.

Até isso, nas plantas, é poético, é bonito, totalmente o contrário de nós. A morte humana fede, entristece, revolta, causa outras mortes, evidencia ou dá origem a um fato histórico. A morte humana, mesmo aquelas anônimas, não passa despercebida nunca: anônimo pode ser o nome, mas não o corpo, não a putrefação, não a necessidade de dar destino à matéria. Nesse sentido, o dessa triste necessidade, é bom a morte humana feder: a despedida do corpo fecha um ciclo, encerra uma história, permite viver um luto que um dia vai acabar.

O problema é uma morte que não fede, uma morte sem corpo, um nome que paira no ar sem um chão ou cinzas em que se apoiar. E nisso a ditadura militar do Brasil (1964 – 1985) e suas irmãs da Argentina e do Chile têm um triste histórico: para ficar apenas em dois exemplos, é preciso sempre lembrar que Zuzu Angel não pôde enterrar seu filho e Eunice Paiva não pôde enterrar seu marido, ambos presos e “desaparecidos” em 1971.

No último sábado, 13/09, os jornais estamparam uma notícia a um só tempo relevante e revoltante: o corpo de Francisco Tenório Jr. foi identificado quase cinquenta anos depois de seu desaparecimento. Ele era pianista e acompanhava Toquinho e Vinicius de Moraes em uma turnê pela Argentina em 1976. Depois de se apresentar no Teatro Gran Rex, em Buenos Aires, saiu do hotel Normandie para comprar cigarros e desapareceu. Segundo o G1, seu corpo foi encontrado em 20 de março de 1976 em um terreno baldio e enterrado como indigente, permanecendo desaparecido e não identificado por quarenta e nove anos.

No livro Vinicius de Moraes: o poeta da paixão – uma biografia, José Castello narra esse desaparecimento e o quanto Vinicius e Toquinho foram em busca de respostas em hospitais, delegacias, embaixadas; o quanto, com o auxílio do próprio Ferreira Gullar, inclusive, àquela época exilado na Argentina, buscaram ajuda até do sobrenatural por meio de uma cartomante quando os meios naturais não deram as respostas devidas.

É notável que essa notícia e esse ato de justiça aconteçam dois dias depois que no Brasil o dia 11 de setembro ganhou um novo fato histórico. É realmente notável que a família de Tenório Jr. possa, enfim, fechar um ciclo e pousar seu nome depois que finalmente sua morte deixou de ser anônima. É mais do que notável, é digno de registro que nosso acerto de contas com um triste passado se dê ao mesmo tempo em que o Brasil faz justiça no presente: na quinta-feira, 11 de setembro, pela primeira vez um ex-presidente da república – e ex-capitão do exército –, três generais e um almirante foram condenados por tentativa de golpe de estado e outros crimes. Criminosos condenados, não cito seus nomes porque já não importam mais para a história do Brasil.

O de Francisco Tenório Jr., sim.

12 setembro 2025

Padeiros, faraós e memórias

 



       

Todos nós gostamos de ver laboratórios, bastidores. Em tempos de redes sociais, gostamos também de acompanhar, curtir, compartilhar, invejar intimidades. O que está submerso numa imagem ou objeto público é sempre razão de interesse em todas as áreas da vida.

Embora também goste dos bastidores, tenho os procurado fora das redes, e dia desses, assistindo a um desses programas do tempo em que nem se sonhava com Instagram e seus filtros, encontrei Fernando Sabino, suando em bicas, falando sobre pães e pirâmides.

Explico: no Roda Viva de 1989, disponível no YouTube, assisti ao escritor relatando um conselho que recebeu de Guimarães Rosa: “Não faça pães, faça pirâmides”, referindo-se à produção de crônicas como gênero menor – ao rés-do-chão, diria Antonio Candido. Sabino não se queixava do conselho do amigo, mas advogou a crônica como gênero literário importante e com lugar cativo nos grandes da literatura brasileira, inclusive – argumento irrefutável – no maior: Machado de Assis.

Eu cá não tenho condições de advogar muita coisa, mas algumas observações sobre a fala de Rosa me parecem um pouquinho necessárias. A primeira diz respeito à importância dos gêneros menores para o trabalho de tentativa – e é bom ressaltar, sempre tentativa – de formação de leitores. E digo isso do ponto de vista profissional e pessoal.

Principio pelo confessional. As minhas primeiras memórias de leitura são as crônicas de Fernando Sabino. Ainda adolescente comprei diversos livros seus em sebos e feiras porque o tom íntimo de conversa me tragou para aquele universo que ele descrevia, tanto os de personagens inventados quanto aquele em que o personagem era o próprio autor: para além do tom de bastidores, a crônica desnuda uma certa maneira de fazer literatura que quase abraça o leitor e facilita sua permanência no terreno da leitura.

Sabino fez isso comigo: adolescente ainda, comprei uma máquina de escrever, já naquele tempo um objeto “vintage”, como agora se chama algo de velho de maneira educada, apenas para emular o jeito Sabino nas minhas primeiras tentativas literárias. Hoje essa máquina enfeita minha estante de livros ao lado da obra reunida do escritor mineiro como memória desse tempo de conquista.

Creio que a palavra é bem essa: conquista. Vejo a crônica conquistar primeiro sorrisos, sobrancelhas franzidas de reflexão, depois uma pergunta, um comentário: todos indícios de um leitor. Minha prática de professor de literatura abraça os textos de Sabino, Vinicius, Drummond, de muitos cronistas que me abraçaram. Algumas vezes, quando a angústia de abstinência do celular não atrapalha, vejo outros abraços acontecerem.

A segunda observação diz respeito à conexão entre padeiros e faraós: a crônica é uma porta, uma ponte, um elo e quantas mais metáforas de ligação se queira para os edifícios dos gêneros maiores. Volto à confissão: foram as crônicas de Sabino que me levaram aos seus dois romances que permanecem em constante estado de leitura pela vida afora: “O grande mentecapto” e “O encontro marcado”, nessa ordem. Ambos têm tantas referências, de tantas outras pirâmides, que o leitor se sente quase obrigado, intimidado a encará-las – no meu caso, com o “preparo físico” que as crônicas me deram.

Acredito que no caso de alguns alunos também. Não é raro vê-los caminhar de Veríssimo e sua crônica sobre a Metamorfose até a novela de Kafka sem grandes reclamações e sempre com os mesmo indícios: sorriso, sobrancelha, pergunta.

Talvez seja um ciclo, uma conexão misteriosa entre padeiros e faraós. Sonho com uma conexão perfeita entre os dois: mesmo na educação básica ir de Sabino a Rosa, de O estranho ofício de escrever a Grande sertão: veredas. Já ouvi de colegas que é um caminho longo demais para a educação básica. Sempre que ouço isso, penso na famosa frase do faraó: “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”.

10 setembro 2025

Publicações acadêmicas

 

2022 - A abordagem do aspecto da tradução na leitura de clássicos no ensino médio: reflexões e propostas


Capítulo do livro Literatura e Movimento: Pesquisa e Investigação - Volume 6, publicado em 2022, o texto aborda uma proposta de trabalho com o aspecto da tradução de uma obra clássica da literatura no ensino médio. O capítulo é parte de minha tese de doutorado.
Leia aqui: Literatura e Movimento: Pesquisa e Investigação - Volume 6


2021 - Um coro de vozes do subúrbio: polifonia em Boca de ouro, de Nelson Rodrigues


Artigo publicado na Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades, em 2021, o trabalho discute a definição de polifonia, proposta por Bakhtin, aliada às concepções sobre o texto teatral de Ubersfeld na análise do texto dramático Boca de ouro, de Nelson Rodrigues, destacando os seguintes traços polifônicos: a estrutura composicional da peça, seu enredo; e as personagens. Os dois aspectos, ao se entrecruzarem, constituem a face polifônica do texto de Nelson Rodrigues e um traço fundamental do dramaturgo: o quanto suas personagens são lugares de mediação e exprimem consciências autônomas à voz do autor.


2019 - Dialogismo e interação no ensino de gêneros textuais para o ensino fundamental


Capítulo do livro As práticas de linguagem em sala de aula: a pesquisa no Profletras, publicado em 2019, o texto é parte de minha dissertação de mestrado, orientada por Gerson Rodrigues da Silva, e discute formas de aplicação do conceito de dialogismo, proposto por Bakthin, no ensino de gêneros textuais no ensino fundamental.


2019 - O texto em cena: dialogismo e interação no ensino do gênero textual conto de fadas no 6º ano do ensino fundamental


Publicado na revista Confluência em 2019, o texto é um artigo-síntese de minha dissertação de mestrado e identifica nas teorias do dialogismo, a partir de Bakthin e de pesquisadores de suas ideias, estratégias de ensino do gênero textual conto para o desenvolvimento de habilidades de leitura a ele associadas. Temos como hipótese que implementar o dialogismo através da leitura de textos que se relacionam, num processo de intertextualidade explícita ou implícita, comparando-os em perspectivas textuais e contextuais, pode contribuir para uma compreensão leitora mais eficiente dos alunos do 6o ano do Ensino Fundamental.

2017 - O ensino de literatura e o uso de recursos tecnológicos no Ensino Médio


Artigo publicado na Revista Educação Pública, da Fundação CECIERJ, em 2017, o texto discute e propõe práticas do ensino de literatura com recursos tecnológicos. É um artigo-síntese de minha monografia de pós-graduação em Educação Tecnológica - CEFET/RJ.


2017 - Práticas de Alfabetização e Letramento Fundamentadas na Verificação de Conhecimentos Prévios do Aluno da EJA


Artigo publicado na revista Democratizar, em 2017, o texto, escrito com colegas do mestrado, propõe atividades de letramento fundamentadas nos conhecimentos prévios dos alunos da educação de jovens e adultos.

E-book sobre literatura brasileira produzido para a Rede Internacional de Universidades Laureate, publicado em 2017.


2016 - Orientações pedagógicas via mídia impressa na EaD: em direçãoà autonomia e criatividade


Artigo-síntese de minha monografia de pós-graduação em Educação a Distância (UFF), o texto busca traçar algumas características que compõe um material didático impresso para educação a distância, destacando requisitos necessários para essa modalidade de educação e as possibilidades que esse tipo de mídia oferece para a realização de uma aprendizagem autônoma e crítica. Foi publicado nos anais do Simpósio Internacional de Educação a Distância - UFSCAR, em 2016.


2014 - Entre a historiografia e a intertextualidade na abordagem da Literatura no EM: o Currículo Mínimo do Estado do Rio de Janeiro


Publicado na Revista Educação Pública, da Fundação CECIERJ, em 2014, o texto é um artigo produzido como trabalho final de minha pós-graduação em Ensino de Leitura e Produção Textual (UFRRJ) e busca analisar o ensino de literatura no ensino médio sob a perspectiva do Currículo Mínimo da rede estadual do Rio de Janeiro, tomado em sua articulação com Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006) e referencial teórico sobre o ensino de literatura.

Professorado e quarta de cinzas

  Sem romantismos para quarta-feira: no dia quinze de outubro o Brasil comemora o dia dos professores, e nos dá até um ponto facultativo de ...