19 outubro 2025

Professorado e quarta de cinzas

 


Sem romantismos para quarta-feira: no dia quinze de outubro o Brasil comemora o dia dos professores, e nos dá até um ponto facultativo de presente. Entretanto, sem romantismos, é preciso dizer, ainda que apontando um sujeito gramatical genérico:  o Brasil torna cada vez mais difícil comemorar o dia dos professores.

Os motivos são múltiplos e conhecidos. Podemos falar de salários, condições de trabalho, adoecimento mental e físico e mais uma miríade de causas. Todas importantes, todas dignas de um debate profundo e sério. Mas o que destaco é outra coisa.

O professorado trabalha com conhecimento. E o conhecimento, como a autoajuda já popularizou, não é a mesma coisa que informação. Então, voltando ao ponto: o professorado trabalha com conhecimento, que diferente da informação, é constituído por meio da reflexão, do diálogo, da pesquisa e da comparação. O conhecimento, na lógica capitalista, é a mercadoria que o professorado tenta vender em sala de aula e falha miseravelmente.

As razões do fracasso são quase sempre atribuídas a nós, o professorado. E como uma boa dose de autocrítica é sempre bem vinda, em parte é nossa culpa, mesmo. Mas uma parte ínfima, muito pequena, e em muitos casos uma culpa que se origina na necessidade de pagar contas cada vez mais caras e que exigem mil escolas e mil aulas por semana.

A principal razão é outra, mais grave, porque genérica; mais preocupante, porque nos damos conta e nada parecemos fazer: nós, como sociedade, estamos cada vez mais refratários ao conhecimento como prática de informação aliada ao diálogo, à reflexão e à pesquisa. E generalizo mais: me refiro à humanidade, bem generalizado mesmo. Eu sei, muitos dirão que uma impressão pessoal não é um argumento válido – e é verdade, digo isso sempre aos meus alunos. No entanto, como este texto não é uma reação do ENEM nem um artigo científico, me dou a licença de registrar aquilo que vejo todos os dias, no cotidiano mais habitual e nas salas de aula: cada vez menos queremos ler, refletir, produzir.

E se nos tornarmos caçadores de culpa, podemos pulverizá-la em celulares, redes sociais, na inteligência artificial, na informação cada vez mais fácil – e por isso mesmo – mais falseada. Estaremos certos se fizermos isso, mas trago mais um todavia: o problema está em nós mesmos.

No anestesiamento a que nos permitimos por causa de tudo que foi mencionado, na promoção dessa paralisação e das facilidades desumanizantes, no cada vez mais comum construir de opiniões abdicando dos fatos. Nesse sentido, os fatos, o observar e analisar dos fatos, o formular de abstrações e teorias, passos iniciais e básicos do conhecimento, são cada vez mais ignorados e delegados a algoritmos.

Sim, há pouco o que comemorar. “E no entanto é preciso cantar”, disse o Vinicius na Marcha da quarta-feira de cinzas. Esse ano o dia dos professores é uma quarta, ponto facultativo no meio da semana, uma quarta de cinzas que se segue ao esgotamento, não à festa.

“Há tão grandes promessas de luz”, diz a mesma canção. É preciso acreditar nisso. É preciso alegrar a cidade. Conhecimento é gerado por dor, mas depois traz alegria. Na quarta de cinzas do professorado, em meio a tantos todavias, penso sempre nos porquês. Os porquês fazem cantar.

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