Em semiótica, a teoria das representações, que estuda
os signos em todas as suas formas e manifestações, um símbolo é um signo que se
refere ao seu objeto, dentre outras coisas, por meio de uma relação
culturalmente estabelecida. Ver um berço virar cama é, independente da relação
culturalmente estabelecida, algo que irrompe em símbolo do tempo.
Aprendi que o tempo se mede mais ternamente nos
filhos. Ver a minha engatinhar, andar, correr, falar, já era, intrinsecamente, uma
sonante medida de tempo, melodiosa mesmo em seus ruídos conhecidos e
inusitados, não contabilizados, mas sentidos – de uma forma quase medrosa
sentidos.
Pensei muito sobre isso quando vi outra medida de
tempo se formar pelas mãos do marceneiro: o berço sobre o qual me debrucei algumas
noites para ver se ela respirava, se estava acordando, o quão profundamente
dormia, reparar nos traços em que me reconhecia, estranhar aquele fruto da
natureza humana a suspender o tempo e criar silêncio enquanto dormia. De
repente, esse mesmo berço se transmutou em cama.
A metamorfose, acompanhada discretamente por mim na
soleira da porta, revela muito sobre o tempo e sobre o quão desigualmente
passa. O tempo, vale lembrar, nas palavras de Caetano, “um senhor tão bonito /
como a cara do meu filho”, por meio daquelas madeiras em curiosa combinação me
informava que não só a cara da minha filha, bonita sempre, havia mudado, mas
também seu sono.
Alguém já havia me falado sobre os discretos
abandonos – sim, não há outra palavra – que pais e mães são obrigados a fazer ao
longo da vida: o desmame, o primeiro dia de aula, a primeira coleta de sangue
para exames... tudo com muito choro. A primeira noite sozinha no quarto, já
numa cama, é mais um abandono que se impõe: eu pensava nisso enquanto via
aquela cama tomar forma, a empolgação de Alice, os últimos traços de bebê
guardados para sempre junto àquelas peças do berço, já não mais necessárias
para a cama.
E aí compreendi o gênesis, como tudo tomou forma,
como uma nova realidade se fez pelo poder da chave de fenda, do martelo e da
palavra. E aí o quarto já não mais o mesmo, a vida se metamorfoseia junto: há
um novo símbolo pulsando na casa.
O símbolo do berço transformado em cama: o sono, o
tempo e o afeto.

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