Falei outro dia sobre retornos e citei o escrever à mão
como um deles. Recebi alguns “poréms” no sentido de “Como assim? Escrevo à mão
na escola, no trabalho...”. Há controvérsias. Escreve-se à mão na escola quase
sempre apenas como exercício de cópia ou nas avaliações, quase nunca para
sistematizar, por conta própria, informações enquanto se assiste a uma aula ou
para resumir um conteúdo, ou para acompanhar a leitura de um texto.
José Miguel Wisnik sintetiza bem essa impressão ao
comentar, num programa no Youtube, que há muito tempo não escrevia à mão e acha
meio absurdo alguém fazer isso, escrever um livro ou um ensaio à mão quando a
tela do computador é um recurso que mantém um texto sempre limpo e editável,
sempre em sua melhor versão.
Acho que abandonar o hábito de escrever à mão tem
muito a ver com essa disposição sempre limpa e editável que o digital exige de
nós: precisamos estar sempre prontos a refazer e esconder os riscados, os erros,
a letra feia, a frase torta, a palavra ou parágrafo abandonados.
Tudo que se revela quando escrevemos à mão. E essas
revelações dão a noção de uma espécie de “laboratório” da escrita, uma ideia de
bastidores que a mim, pelo menos, agrada muito: tenho sempre muita curiosidade
em ver, na intimidade de um escritor, a primeira opção por uma palavra que foi
abandonada; um parágrafo inteiro que, em formação, se mostrava promissor e que
foi riscado; os esboços que prepararam a versão final, esses esboços que são a
gênese de uma criação imaginativa ou técnica.
Parte disso o digital nos tomou. Escrever à mão é como
assistir a um DVD, ouvir um CD, memorizar números de telefone: uma necessidade
até bem pouco tempo atrás, hoje atitude saudosista, uma vez que os substitutos
digitais são mais ágeis, limpos, editáveis – dando uma ideia de incrível eficiência.
Não meu caso, pelo menos, que agora, depois de anos
dedicado à vida acadêmica em mestrado e doutorado repletos dessa escrita limpa
e editável, resolvi ocupar o glorioso cargo de escritor não lido. Quando ressuscitei
esse blog para publicar esses textos – todos escritos à mão –, me veio a
vontade de voltar a escrever ficção. Sim, um dia já escrevi ficção e poesia, até
os vinte e dois anos, mais ou menos, tudo devidamente enterrado numa gaveta trancada
à chave – arquivista que sou, tenho pena de queimar.
Mas voltando ao ponto: ressuscitada a vontade de
escrever literatura e não sobre literatura, mais velho e mais sem vergonha, me
veio a necessidade de voltar a escrever à mão. Comprei cadernos, cadernetas, canetas
azul, preta e vermelha, e comecei por aqui, escrevendo crônicas numa plataforma
morta. Já rascunhei o esqueleto da narrativa numa caderneta e já separei o
caderno.
Agora só me falta o tempo. Ou a coragem. Como todo
trabalho manual, escrever à mão e escrever ficção, depois de muito tempo sem prática,
enferruja. É nesse ponto em que estou: tirando a ferrugem. Até agora tem sido
bom, tem sido curioso quando um ou outro comenta sobre um texto que saiu de um
esforço físico, não só cognitivo.
Fernando Sabino dizia que o mais trágico no trabalho
do escritor é que escrever é um ato solitário. Impossível discordar dele. Mas a
solidão, acompanhada de uma técnica, no meu caso, imemorial, dói mais devagar.







